Frase(s) do dia

"Cala a boca" By: Cátia Colaço

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A corrida da vida - Parte 1

Ele corre. O nevoeiro é intenso. Não sabe quantas voltas vai dar, mas corre. Durante toda esta primeira volta, parece... *sente* que está protegido. Não sabe por quem. Mas sabe que não vai cair, muito menos cansar-se. Ele não corre, não sabe correr; alguém o leva. Alguém que ele conhece e muito bem. Alguém. O nevoeiro continua intenso, mas agora menos; ele já sabe que está a correr.

Na segunda volta, *aquele* alguém já não o carrega, corre por detrás dele, sempre a um milímetro de distância. O nevoeiro continua lá. Ele cai. E cai. E volta a cair. Ele chama pelo alguém. O alguém limita-se a levantá-lo. E a levantá-lo. E a voltar a levantá-lo. Ele não tem a memória da primeira volta, por isso, conclui a segunda sem qualquer esforço. O nevoeiro não vai embora.

Chega à terceira volta e já não cai nem metade das vezes que caía. O alguém continua sempre atrás dele, sempre. Ele começa a aprender como é bom cair e levantar-se sozinho. Ele cai uma vez. Rejeita a ajuda do alguém. O nevoeiro é constante, igual ao da segunda volta.

Quarta volta e já não se lembra de como foi a segunda volta, muito menos a primeira... e a terceira, tem vagas memórias. Aquele nevoeiro está agora mais intenso que nunca. Sente-se só. O alguém continua atrás dele mas não apaga a solidão. Aparece mais um corredor, que parece ser infinitamente inteligente e ensina-o, a ele tudo o que ele vai saber durante as próximas 4 voltas.

Quinta volta e ele pára por um milésimo de segundo. Sente-se só, mas não conhece outra realidade, além do alguém sempre atrás e do correr. Por isso continua a correr. Não está cansado pois foi para isso que começou a corrida: para correr. O nevoeiro começa a desvanecer, à sua frente, e a seu lado aparecem três pessoas semelhantes e ele, que o acompanham. Fizeram as mesmas voltas que ele, mas só agora se cruzam. Ele está feliz, já não se sente só, contudo, o nevoeiro continua lá, apesar de mais fraco. E o alguém, *sempre* atrás dele. Ele ama o alguém que vem atrás dele, este alguém sempre esteve lá quando ele caiu. Estas três novas personagens são amigáveis e carinhosas. À medida que esta quinta volta acaba, ele estabelece um contacto momentâneo que vai durar, -pensa ele- para sempre. O corredor infinitamente inteligente corre ao lado do alguém, e, em conjunto com o alguém, parece ser desprezado por ele.

A sexta volta, é iniciada com a companhia destas três figuras. O alguém está ali, também. Mas agora que ele conheceu uma realidade nova, parece não se lembrar que o alguém está lá. O corredor infinitamente inteligente está ao lado do alguém. O nevoeiro... também está sempre com ele, embora agora, que mantém um contacto constante com os novos elementos da sua corrida, ele parece também não se lembrar do nevoeiro. Nesta volta, a sua capacidade intelectual aumenta. Ele olha para o céu. Está feliz, tem amigos, tem alguém que lhe transmite conhecimento e tem *o* alguém que nunca o deixa. Mas olha para o céu e pensa. "Como é correr no céu?".

Sétima volta e ele apercebe-se que outrém já sonhou correr no céu, ele sabe disso porque os vê. A correr. No céu. Suspira. "Quero correr no céu". Os três amigos dele não fazem a mínima ideia de que ele tenciona, um dia, correr no céu e ele não lhes conta. O corredor infinitamente inteligente continua a transmitir-lhe conhecimento, parece ser essa a função dele. E ele aceita o conhecimento. Não tem escolha. Aquele nevoeiro parece desaparecer completamente, agora ele consegue olhar para o céu, embora, atrás dele, esse nevoeiro exista mais forte que nunca. Ele não sabe disso porque não olha para trás. Não olha para trás, onde está o alguém.

Oitava volta. Corresponde à terceira volta em comum com os três amigos. Pensa em contar do seu sonho aos outros, mas sente que não deve. Vê pessoas deitadas no chão, mas não sabe ao certo o que é "estar deitado no chão" porque nunca esteve, nem pode. Só a própria corrida lhe vai dizer quando se pode deitar no chão. E não é agora. O alguém atrás dele chama-o. Ele ignora. Continua a correr. Como nunca mais caiu, julga que não precisa mais do alguém. Entretanto volta a olhar o céu. Vê mais e mais pessoas a correrem no céu. "Como se chega lá? Como conseguiram?" interroga-se. "Um dia vou lá...para ficar". Ele está determinado em correr no céu. Um dia, talvez.

Nona volta. Parece ser a última volta em que o corredor infinitamente inteligente corre ao lado do alguém. Os três amigos choram; acham que esta é a última volta que correm os quatro juntos. Ele não chora. Sabe que não vai ser agora que vai deixar os três, mas, um dia, vai ter que se desprender deles e do alguém. O corredor infinitamente inteligente parece não ser infinitamente inteligente como ele julgava. Não é. Mas era e é assim que vai ser sempre visto. E é por isso que sempre vai ser respeitado.

O corredor infinitamente inteligente abandona os quatro amigos. É por ser a décima volta? É. Mas nesta volta aparecem figuras semelhantes ao corredor infinitamente inteligente, mas dez vezes mais inteligentes que o "transmissor de conhecimento" que outrora conheceram. Os três amigos conhecem outras duas personalidades que estão a fazer a décima volta pela segunda vez. Fizeram-na mal e agora estão a repeti-la. O nevoeiro continua a tapar o alguém que sempre está atrás d'ele. Nesta décima volta tudo parece mais complicado, o vento acelera. Eles não estão cansados. Ele olha para o céu e sente-se um pouco mais perto de todas aquelas figuras épicas que correm lá em cima. Agora o seu sonho de correr no céu está mais forte, ele está maior. Começa a formar uma ideologia.

Décima primeira volta. É no início desta volta que ele antevê o fim da companhia dos seus três amigos. Ele sabe que no final desta corrida não os vai voltar a ver. Porquê? Não sei. Ele também não sabe. Mas ele sabe que esta é a última volta que dão na mesma faixa. Aquelas duas personalidades também estão nesta décima primeira volta, e não vão ser vistas outra vez quando a volta terminar. Elas atiram pedras aos pés dele e dos três amigos, eles caem pelo menos dez vezes cada um. Mas sempre que um cai, os outros três param e esperam que o que caiu se levante. Quando ele cai, - e ele cai o dobro das vezes que os outros três-, o alguém vem para o ajudar, mas ele recusa. Levanta-se sozinho. A décima primeira volta termina. Todos choram. Ele chora. As novas figuras dez vezes mais inteligentes que o corredor infinitamente inteligente transmitiram tudo o que sabiam aos 6 que apenas correram 10 voltas (tirando os dois que repetiram a décima volta) e ele sente-se pronto para correr no céu. Mas não pode. Ainda. Sim, porque ele sabe, sente que um dia vai correr no céu. No final da décima primeira volta ele despede-se dos três amigos. Mas o alguém está atrás. Parece fazer parte d'ele. Ele está pronto para a décima segunda volta. Ou não...

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