Já alguém vos morreu nos braços?
Estava a chover, e entre todo o não fazer que eu estava a fazer, começo a ouvir o meu telemóvel a tocar..."deve ser a Sónia com dúvidas de Português". Atendi. Não era. Era o "Tom". TInha acabado com a namorada.
-Puto, 'bora dar uma volta, tenho que espairecer.
-Ai é? Tão?
-Já falamos, vem cá ter, tás onde?
Fui ter a casa dele e quando ele me abriu a porta reparei logo que algo estava mal. O quarto dele era como uma nuvem grande de tabaco e uma boa parte do chão, como montanhas de latas de cerveja.
O "Tom" deitou-se na cama.
-Abanca-te aí, foda-se, a minha namorada acabou comigo, fui despedido do bar e a minha banda expulsou-me e ficou-me com os amplificadores.
Isto dito assim se calhar não é nada de especial, mas ele perdeu tudo, de um momento para o outro, visto que tudo o que ele tinha era isto e mais nada.
Não sabia o que fazer, eu já passei por cenas piores, e por cenas não tão más, mas não passei por tantas coisas tão más ao mesmo tempo, e foi por isso que não soube o que dizer. Resolvi levá-lo ao cinema.
Ele já estava todo bêbado, o que dificultou a minha tarefa de o levar ao cinema; fomos ao cinema de Alvalade. Ele insistiu que levássemos cervejas na mochila e eu não me opus.
A quinze minutos depois de começar o filme, a ex-namorada dele, "Tracey" ligou-lhe e ele foi lá fora atender. O filme estava a ser uma seca e eu acabei por ir dar uma volta também. Quando voltei, vi que ele não estava na sala de cinema, o que na altura me pareceu bom sinal. Podia ser que ele e a namorada tivessem reatado e já estivesse tudo bem. Eu não podia estar mais errado. Encontrei-o ao lado da Eugénio dos Santos, depois de ter andado um bocadito. Estava debruçado sobre um ferro que há em frente à escola.
A "Tracey" tinha-lhe ligado só para lhe dizer que ela o tinha andado a trair durante os cerca de 5 meses que andaram juntos, e isso deixou-o completamente fodido da vida.
Arrastei-o para casa, onde me lembrei de ligar a uns "amigos" dele, que talvez o pudessem ajudar.
-Oh, boas. Olha o "Tom" tá aqui com uns problemas, podes vir cá ter a casa dele? Anda lá, é urgente."
-Oi, é o Chazz do Hi5, meu, olha, o "Tom" tá a ter uma crise, vem ca ter.
Um deles não apareceu, o segundo veio e trouxe mais dois gajos. Comecei a não gostar daquilo, eles tinham um aspecto estranho, para dizer o mínimo. Perguntaram-me se tinha sido eu a fumar e a beber aquelas cenas todas. Disse que não, e disseram que um pouco de "veneno de sapo" (vodca com sumo de laranja) e heroína o tratavam.
Não achei nada boa ideia, e depois de passar um bocado a tentar convencê-los do contrário, lá conseguiram meter o "Tom" a inalar a bela da diacetilmorfina.
O "Tom" lá se aguentou por um bocado, eu estava lá mais como mediador, o que não serviu de grande coisa. O "Tom" desmaiou e eu fiquei aflito. Não sabia o que fazer, os outros três pareciam estar na deles e eu ali, a dar chapadas na cara do "Tom" para ver se ele acordava, mas nada. Levei-o para a banheira, que enchi de água fria e enquanto a água enchia, fui ao quarto do "Tom" ver se mandava os "amigos" dele embora. Mas não foi preciso, eles já tinham bazado.
Eles mais alguns bens do "Tom". Mas não liguei, voltei à casa-de banho e a água já estava a transbordar. Fumo do quarto do "Tom" já chegava à casa-de-banho, mas também me foi indiferente. Dei uns estalos na cara dele e ele acordou com um bocado de falta de ar.
-Pregaste-me um susto, meu. Anda lá, levanta-te daí. Tava a ver que ias desta...
Ele saiu, fomos para o sofá. Ele sorriu:
-Afinal a vida é uma merda.
-Podes crêr, pá.
Ficámos um bocado ali a olhar para o nada, houve um silêncio tão bruto que me comecei a sentir mesmo muito mal com aquilo tudo, não sabia o que fazer e mesmo que soubesse, não saberia se sabia que sabia o que fazer. O sofá dele até é confortável e eu pensei em dormir, mas depois olho pa ele, "este gajo já se adiantou".
-Acorda lá, não vamos ficar aqui.
Nada. Comecei a sentir aquele suor quente, e visão já meio tremelicada:
-Anda lá, 'bora arranjar problemas na rua ou assim.
Nada mesmo. Vi que ele não respirava.
Liguei para o 112 e comecei a dar-lhe palmadas, batidas no peito. Nada, não adiantou de nada. Começaram a vir-me as lágrimas aos olhos.
"Não...Não, eia não...!"
O "Tom", de 19 anos de idade, tinha morrido de overdose mesmo à minha frente...
Senti todo o tipo de emoções num espaço de dois segundos, raiva, tristeza, ânsia, medo, pânico.
E já só pensava "e onde raio tão os cabrões dos paramédicos?!"
Passados uns trinta ou quarenta minutos, bateram à porta, abri com toda a pressa que pude, e quando entraram já so viram o "Tom" estendido no chão, sem reacção e eu, de pé, desfeito em lágrimas.
Olharam para o "Tom" como se ele fosse lixo e disse um para o outro.
-O que viemos fazer aqui? Este já está morto há uns vinte minutos.
-Pois, viemos perder o nosso tempo, ainda bem que não viemos à pressa.
Foram-se os dois embora, não me disseram uma palavra.
Os pais do "Tom" e o irmão culpam-me a mim, da causa. O irmão dele já me conhece há um tempo e apesar de eu já ter explicado tudo, ele continua sem acreditar, o que me deixa um bocado chateado, mas isso é o menos.
Se calhar a culpa até é minha... epá, não sei, não quero pensar nisso.
quinta-feira, 11 de março de 2010
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